terça-feira, 22 de abril de 2014

A música litúrgica como Serviço e Oração

“A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia solene. Ela será mais santa quanto mais intimamente estiver unida à ação litúrgica...” (Cf. Sacrosanctum Concilium, 112)

Essa verdade da Igreja trazida pela Constituição sobre a Sagrada Liturgia se explica quando a música for um serviço que possibilite um grande encontro das pessoas com as Pessoas Divinas, entendendo que, na Liturgia, está a maior ação externa que se presta à Trindade Santa.


Cantar a Liturgia, de modo geral, é colocar-se a serviço do Pai, Filho e Espírito Santo através da assembleia reunida convocada pelo próprio Deus. Assim se procedendo, celebra-se, de maneira espetacular, o Mistério Pascal de Cristo.

Quatro são as razões para se cantar a Liturgia: - Celebração da ação de Deus na vida do povo: razão teológica; celebrar o mistério Pascal de Cristo: razão cristológica;  - cantar no Espírito Santo: razão pneumatológica; -cantar com a comunidade em assembleia reunida: razão eclesiológica.

O canto só será fecundo se expressar uma forte experiência de Jesus Cristo, presente e atuante no meio do povo. Para isso acontecer, é preciso que o canto seja uma expressão alta da suavidade da Palavra de Deus, e não pedra de tropeço atrapalhando a ação celebrada. Precisa ser serviço e oração encarnados na ação sagrada.

A verdade sobre o canto não está no seu valor estético e cultural, nem no sucesso popular. Sua graça e santidade não se medem apenas porque todo mundo gosta e aplaude, mas por aquilo que nele se expressa: o canto da ação celebrada, o tempo litúrgico e o próprio mistério que está sendo celebrado quando, principalmente, se celebra a Eucaristia.

Músicos e música precisam se colocar a serviço da assembleia na sagrada celebração da missa e não de indivíduos e tendências. O primado da assembleia é muito forte e a música é servidora desta assembleia reunida que tem o direito de cantar. Se a música for, de fato, sagrada, conforme determina a Liturgia, será sempre um sinal frutuoso que leva do visível ao invisível, um carisma que contribui para a edificação e santificação da comunidade reunida e a manifestação do mistério da Igreja, Corpo Místico de Cristo.

Cantar bem é cantar o necessário, o que se pode e é certo. O canto acompanha e expressa a ação e a festa celebradas e, se assim não o for, poderá até atrapalhar a ação celebrada.
Cantar a Liturgia da missa é, sobretudo, cantar o rito, conforme se encontra no Missal. O que se tem visto são, às vezes, caricaturas do Glória, do Santo e algum canto longo parecido com o Ato Penitencial ao som altíssimo de instrumentos nas mãos de pessoas, certamente, de boa índole, mas, musicalmente, fraquíssimas.

Os cantos que acompanham os ritos de entrada, procissão das ofertas e comunhão não são para embelezarem as ações que estão acontecendo naquele momento, mas para sintonizarem a assembleia no fato celebrado e nas atitudes de uma vida verdadeiramente cristã e eclesial. O salmo já possui sua métrica, seu jeito de ser, seu conteúdo de profunda espiritualidade e é parte essencial do rito da Palavra com o qual Deus fala com seu povo e o povo fala com seu Deus num colóquio de oração que brota do coração humano como necessidade e apelo de resposta. As melodias, pouco inspiradas, a altura exagerada e a repetição desnecessária do refrão em nada ajudam; muito pelo contrário, até atrapalham.

Cada componente de um grupo de música litúrgica deve ser porta-voz de Deus. Sua função não é pegar um instrumento e “animar” a Liturgia. Essa animação santificante, o próprio rito faz com muita elegância, sobretudo, quando o presidente da celebração e os ministros os executam com segurança, clareza e unção. O cantor e o instrumentista devem responder a Deus com um sim exercendo bem seu papel. Afinal,  é um dom que Deus lhes concede.
O músico não se contenta com o mínimo necessário; não suporta mediocridade. É preciso que ele toque e cante bem, esteja sempre atualizado, reze, estude, aprofunde-se, seja obediente, ame e creia no seu trabalho, seja humilde, bem disposto, alegre, saiba ouvir, possua bom ouvido musical, boa voz e bom senso, seja discreto e  faça silêncio, não prolongue o canto desnecessariamente - o som do instrumento nunca pode ultrapassar a voz da assembleia.

O canto que acompanha uma ação perde o sentido, quando essa ação termina. É deselegante fazer o presidente, bispo ou padre e a assembleia ficarem aguardando terminar o canto que já perdeu sua finalidade.
Uma das máximas do canto deve ser a de que a assembleia litúrgica, sujeito da celebração, é convocada por Deus e é expressão sacramental da Igreja e suas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem são também as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes, 1).

Parafraseando o prólogo de São João: O Verbo se fez canto e vibra entre nós na elegância e na maestria da música verdadeiramente litúrgica. Que assim seja.

Publicado pelas Edições CNBB, Deixe a Flor Desabrochar, Elementos da Pastoral Litúrgica.