Este texto é uma síntese do que o Papa Francisco nos recorda na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium nº 76-109. Pode seu um roteiro para um bom exame de consciência.
1. Sim ao desafio de uma espiritualidade missionária
1.1. É possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezem – uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si.
1.2. A cultura mediática e alguns ambientes intelectuais transmitem, às vezes, uma acentuada desconfiança quanto à mensagem da Igreja e certo desencanto.
1.3. Desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que o doutrinal. Este relativismo prático é agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem.
2. Não à apatia egoísta
2.1. Alguns temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre.
2.2. O problema não está sempre no excesso de atividades, mas, sobretudo, nas atividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne desejável. Daí que as obrigações cansem mais do que é razoável, e às vezes façam adoecer.
2.3. Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu. Desiludidos com a realidade, com a Igreja ou consigo mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demônio». Chamados para iluminar e comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só geram escuridão e cansaço interior e corroem o dinamismo apostólico.
3. Não ao pessimismo estéril
3.1. Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer.
3.2. Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre.
3.3. Em alguns lugares, se produziu uma «desertificação» espiritual, fruto do projeto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs.
4. Sim às relações novas geradas por Jesus Cristo
4.1. Sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar–nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos.
4.2. Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.
4.3. O isolamento, que é uma concretização do imanentismo, pode exprimir-se numa falsa autonomia que exclui Deus, mas pode também encontrar na religião uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio.
4.4. Noutros setores da nossa sociedade, cresce o apreço por várias formas de «espiritualidade do bem-estar» sem comunidade, por uma «teologia da prosperidade» sem compromissos fraternos ou por experiências subjetivas sem rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista.
4.5. Um desafio importante é mostrar que a solução nunca consistirá em escapar de uma relação pessoal e comprometida com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa com os outros.
4.6. Nisto está a verdadeira cura: de fato, o modo de nos relacionarmos com os outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom.
5. Não ao mundanismo espiritual
5.1. O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até um instrumento musical.
5.2. Este mundanismo pode alimentar-se, sobretudo, de duas maneiras profundamente relacionadas. Uma delas é o fascínio do gnosticismo [...] A outra é o neopelagianismo autorreferencial de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a certo estilo católico próprio do passado.
5.3. Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história.
5.4. Em outros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização autorreferencial. Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções.
5.5. Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados!
5.6. Quem caiu neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos, desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e vive obcecado pela aparência.
6. Não à guerra entre nós
6.1. Alguns deixam de viver uma adesão cordial à Igreja por alimentar um espírito de contenda. Mais do que pertencer à Igreja inteira, com a sua rica diversidade, pertencem a este ou àquele grupo que se sente diferente ou especial.
6.2. Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente.
6.3. Por isso me dói muito comprovar como nalgumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?
6.4. Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor, e é um ato de evangelização. Façamo-lo hoje mesmo. Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno!
7. Outros desafios eclesiais
7.1. Excessivo clericalismo que os mantêm à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade.
7.2. É preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o gênio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho» e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais.
7.3. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros».
7.4. Valorizar mais a participação dos jovens na Igreja.
7.5. Promover as vocações por meio do testemunho.
7.6. Os idosos fornecem a memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do passado. É preciso valorizá-los.
Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária! Papa Francisco
Autor: Pe. Joãozinho, SCJ, teólogo e escritor
Fonte: http://blog.cancaonova.com/padrejoaozinho